Ao longo do século 20, poucas correntes filosóficas fizeram tanto sucesso quanto o existencialismo – escola de pensamento que sublinha, entre outras coisas, a reflexão sobre o absurdo da vida humana, deixando de lado a busca pela verdade suprema ou o bem absoluto. Após duas guerras mundiais, genocídios, fracassos ideológicos e algumas bombas atômicas, esse elegante evangelho do desespero caiu no gosto de pensadores profissionais e leigos. No século passado, a figura mais célebre do cânone existencial foi sem dúvida o mandarim materialista Jean-Paul Sartre: graças a ele, o existencialismo acabou associado a um ateísmo militante que, em momentos extremos, beira a intolerância contra qualquer forma de religiosidade (os atuais chiliques contra o véu islâmico na França são exemplos disso). Vale lembrar, no entanto, que o pai do pensamento existencialista moderno não foi um ateu, nem mesmo um agnóstico, mas um homem fervorosamente religioso que via no cristianismo sincero uma afirmação de individualismo e rebeldia: o dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855).
Inimigo declarado de todos os sistemas (embora cristão, ele era um crítico feroz das religiões organizadas), Kierkegaard escreveu uma obra cheia de exaltação, espiritualidade e agonia. Seus livros são, ao mesmo tempo, um dilacerante testemunho de fé e uma virulenta zombaria contra a sociedade europeia do século 19. Para ele, a triunfante feiura da Revolução Industrial e a empolada moralidade da burguesia estavam criando uma civilização de pseudoindivíduos acostumados a viver sem paixão e conformados com o próprio tédio. Em um de seus textos, ele escreve com delicioso azedume: “A maior parte da humanidade hoje é composta por chatos. E ninguém será tão chato a ponto de negar essa verdade”. Foi por causa de sua arrasadora honestidade intelectual que esse cristão renitente chegou a influenciar, 100 anos após sua morte, toda uma geração de descrentes. Com efeito, o pensamento de Kierkegaard tem ressonâncias que vão muito além da fé (ou da falta dela). Isso porque o tema mais prolífico e eloquente na obra do cristianíssimo rebelde dinamarquês é um daqueles assuntos que jamais envelhecem, e que podemos realmente chamar de universais: a angústia da condição humana.
Eu realmente me apaixonei por esse existencialista. Agora, resta procurar sua biografia e pensar cada vez mais a respeito do todo. Do mundo. Todo.
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