Gente chata, eu pensava. E logo me sentia culpado por taxar de chatos amigos bacanas que conhecia desde os tempos da faculdade. Entre uma garfada e outra de peixe, sentia a perna esquerda dela tocar delicadamente na minha perna direita. Era o bastante para meus pêlos do antebraço se ouriçarem. Melhor desdobrar os punhos da camisa, eu pensei, logo esquecendo de fazer isso.
Os outros ocupantes da mesa redonda, a única mesa redonda do restaurante, estavam alegres pelo reencontro comigo, por conhecerem a minha garota e pela sexta garrafa de uma reserva especial de Tannat italiano muito generoso e digno daquela celebração. O que seria dessas noites se Gloria Kalil e Célia Ribeiro não houvessem liberado o vinho tinto com peixe, eu pensava. Estaríamos condenados a vinhos brancos e suaves - e o pior - originários da Argentina. Tentei me ater à conversa que me cercava.
Eles queriam me prender!
E eu fui fazer a cobertura para ele.
Claro, eu faria mesma coisa.
Ninguém gosta de sonegar imposto, mas vocês sabem?!
Não acha?
Notei que esse não era comigo.
Claro, também sonegaria, se tivesse algum dinheiro!
Acharam engraçadíssimo. Riram muito e muito alto. Gente chata que fez de tudo pra ter empregos milionários em cargos públicos e colunas de jornais, bons amigos chatos, chatos e de pilequinho. Notei que ela nem tocara na comida em seu prato, eu sabia que à noite, ela era comedida em jantares. Pelo menos atacava sem muito entusiasmo a salada, mais para disfarçar, regando tudo com boas quantidades do Tannat.
Tá tudo bem? Perguntei ao ouvido dela, sentindo seu perfume doce.
Tudo, ela disse, voltando ao mundo naquele exato momento e sorrindo com aquela graça de menina-moça.
Quer?! A gente se manda daqui?!, eu disse de novo, ainda mais perto do seu ouvido.
Ela não respondeu. Apenas sorriu ainda mais francamente e me deu um daqueles beijinhos no queixo que amolece o coração de qualquer cristão-novo. Uma felicidade me envolveu em golpes violentos. Fazia tempo que eu não sentia isso. Ninguém mais era chato por ali. Fui anunciando:
Acho que já vamos indo, falei, sob protestos dos convivas,
Jááááá?!
Falta uma garrafa???
É, vai fazer o quê em casa?
Trabalhar!?
Essa hora? E todos queriam um porquê.
Nós, os escritores, não temos hora certa para trabalhar, disse um amigo que eu considerava um perfeccionista.
Todos ergueram suas taças.
Olha que quem trabalha muito não arruma tempo pra ganhar dinheiro...,disse meu mais estimado amigo da roda.
É, é isso aí! Mais uma garrafa!, falou sua esposa, já com o batom um tanto borrado.
Quá-quá-quá, rá, rá, rá, todos uivando. Uma das mulheres caiu no chão. Enquanto o pessoal das outras mesas saía de fininho, nossos amigos se finavam de rir. A mulher caída implorava socorro.
Ai, ai, ai. Alguém me ajuda!
Fica por aí, disse seu marido, dobrando-se de rir.
Dois garçons a socorreram. Pobre mulher, eu pensei, sem conseguir encontrar muita graça naquilo. Ela fora minha colega num antigo emprego, produzindo um programa de rádio, depois se casou com aquele bom amigo escritor, que eu jamais imaginava beber qualquer coisa que levasse álcool e que estava ali, matando-se de rir da mulher capotada no chão.
Cruzamos a porta do restaurante e logo, uma lufada de vento nos brindou como um rito de renovação misturado com higiene pessoal.
Eles não são sempre assim, eu disse, enfiando o braço por dentro do casaco dela, e apertando sua cintura.
Claro que não, ela falou. Ninguém é do mesmo jeito o tempo inteiro.
Nunca tinha pensando nisso...
Burro!, ela disse, mordendo, rapidinho, um pedaço da minha orelha.
E pensei comigo, quem dera toda a exclamação que me deprecia viesse com essa mordida, esse perfume, esse encanto que enfim, só poderia vir dela.
Anda mocinho, tá esperando o quê? Ela disse, anexando ao final da interrogação aquele sorriso brando que me enfeitiça.
Fechei a porta, liguei o carro, engatei a marcha, fiz uma pausa. E logo ouvi:
Vamos?!
Os outros ocupantes da mesa redonda, a única mesa redonda do restaurante, estavam alegres pelo reencontro comigo, por conhecerem a minha garota e pela sexta garrafa de uma reserva especial de Tannat italiano muito generoso e digno daquela celebração. O que seria dessas noites se Gloria Kalil e Célia Ribeiro não houvessem liberado o vinho tinto com peixe, eu pensava. Estaríamos condenados a vinhos brancos e suaves - e o pior - originários da Argentina. Tentei me ater à conversa que me cercava.
Eles queriam me prender!
E eu fui fazer a cobertura para ele.
Claro, eu faria mesma coisa.
Ninguém gosta de sonegar imposto, mas vocês sabem?!
Não acha?
Notei que esse não era comigo.
Claro, também sonegaria, se tivesse algum dinheiro!
Acharam engraçadíssimo. Riram muito e muito alto. Gente chata que fez de tudo pra ter empregos milionários em cargos públicos e colunas de jornais, bons amigos chatos, chatos e de pilequinho. Notei que ela nem tocara na comida em seu prato, eu sabia que à noite, ela era comedida em jantares. Pelo menos atacava sem muito entusiasmo a salada, mais para disfarçar, regando tudo com boas quantidades do Tannat.
Tá tudo bem? Perguntei ao ouvido dela, sentindo seu perfume doce.
Tudo, ela disse, voltando ao mundo naquele exato momento e sorrindo com aquela graça de menina-moça.
Quer?! A gente se manda daqui?!, eu disse de novo, ainda mais perto do seu ouvido.
Ela não respondeu. Apenas sorriu ainda mais francamente e me deu um daqueles beijinhos no queixo que amolece o coração de qualquer cristão-novo. Uma felicidade me envolveu em golpes violentos. Fazia tempo que eu não sentia isso. Ninguém mais era chato por ali. Fui anunciando:
Acho que já vamos indo, falei, sob protestos dos convivas,
Jááááá?!
Falta uma garrafa???
É, vai fazer o quê em casa?
Trabalhar!?
Essa hora? E todos queriam um porquê.
Nós, os escritores, não temos hora certa para trabalhar, disse um amigo que eu considerava um perfeccionista.
Todos ergueram suas taças.
Olha que quem trabalha muito não arruma tempo pra ganhar dinheiro...,disse meu mais estimado amigo da roda.
É, é isso aí! Mais uma garrafa!, falou sua esposa, já com o batom um tanto borrado.
Quá-quá-quá, rá, rá, rá, todos uivando. Uma das mulheres caiu no chão. Enquanto o pessoal das outras mesas saía de fininho, nossos amigos se finavam de rir. A mulher caída implorava socorro.
Ai, ai, ai. Alguém me ajuda!
Fica por aí, disse seu marido, dobrando-se de rir.
Dois garçons a socorreram. Pobre mulher, eu pensei, sem conseguir encontrar muita graça naquilo. Ela fora minha colega num antigo emprego, produzindo um programa de rádio, depois se casou com aquele bom amigo escritor, que eu jamais imaginava beber qualquer coisa que levasse álcool e que estava ali, matando-se de rir da mulher capotada no chão.
Cruzamos a porta do restaurante e logo, uma lufada de vento nos brindou como um rito de renovação misturado com higiene pessoal.
Eles não são sempre assim, eu disse, enfiando o braço por dentro do casaco dela, e apertando sua cintura.
Claro que não, ela falou. Ninguém é do mesmo jeito o tempo inteiro.
Nunca tinha pensando nisso...
Burro!, ela disse, mordendo, rapidinho, um pedaço da minha orelha.
E pensei comigo, quem dera toda a exclamação que me deprecia viesse com essa mordida, esse perfume, esse encanto que enfim, só poderia vir dela.
Anda mocinho, tá esperando o quê? Ela disse, anexando ao final da interrogação aquele sorriso brando que me enfeitiça.
Fechei a porta, liguei o carro, engatei a marcha, fiz uma pausa. E logo ouvi:
Vamos?!
***
Um comentário:
belo primeiro capítulo...
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