segunda-feira, janeiro 27, 2014

Nunca

Centenas de comandas. Festa. A vontade de dançar até o dia amanhecer.
Mas naquele 27 de janeiro de 2013 o sol não apareceu. Os raios ficaram congelados entre a primeira gota de orvalho que teimosamente não beijou o dia. Tudo era  noite, numa madrugada de verão que se estende até hoje. Pelo menos para uma cidade. O céu claro estava escuro, mesmo com a rotação da terra, mesmo com o passar das horas. A escuridão era mais que a fumaça. E ia além da boate.  
Os olhos fechados estavam inchados de lágrimas. Dentro do ginásio, gritos não eram de gols. Desde então,o movimento do mundo, o tic tac do relógio, o frágil equilibrio da sobrevivência,  simplesmete tudo isso parou. Desde então, ao invés de ficar mais forte, simplesmente percebi que sou - ou melhor  somos - seres tão frágeis.
Foram muito mais do que 20 dias de dor. Cobrindo as mortes, a revolta, a tragédia. Basta fechar os olhos e quem esteve ou está lá revive tudo isso até hoje. Mas essa dor é um grão de areia  perto do sofrimento de pais, mães, irmãos, irmãs, maridos e mulheres. A dor deles nunca vai passar, é um crescente de saudade, melancolia, solidão. É aquela  dor que nos priva do cheiro, que nos aprisiona sem ter um olhar, que nos mata com a falta de um toque, é a dor do nunca*, que invalida o corpo, que anestesia a alma e que dia a dia nós deixa ainda mais longe do melhor que temos: o amor de um filho.
Não há justiça que traga sorrisos de volta.
Não há máquina do tempo que nos faça dizer o que calamos.
O sentido da vida simplesmente é a existência. 
A eternidade nos escapa.  
Não há justificativa para o que aconteceu. 
Não há resposta para a negligência, o capitalismo, a louca e insana sociedade do lucro, dos números. Cheques, extintores, audiência, compras, ligações, o mundo gira gira gira e quando pára é por causa de uma tragédia.  
Eu não acredito em Destino
E nessas suas escritas precoces para 242 vidas
Tudo que é possível se apaga.

* Lembro do final do livro a Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery, quando não conseguia descrever o que é a morte de quem amamos. Simplesmente lia esse trecho:

"Pela primeira vez na vida muitos sentiram o significado da palavra nunca. É terrível. A gente pronuncia essa palavra cem vezes por dia, mas não sabe o que diz antes de ter sido confrontado com um verdadeiro 'nunca mais'.
Afinal temos a ilusão de que controlamos o que acontece; nada nos parece definitivo.
Mas quando morre alguém que gostamos, então posso dizer que sentimos  o que isso significa e que dói muito, muito, muito. É como um fogo de artifício que se apaga de repente e tudo fica  negro. Sinto-me  só, doente, com dor no coração e cada movimento me custa esforços colossais.
Refletindo sobre isso, esta noite, com o coração e o estômago em migalhas, pensei que, afinal talvez seja isso a vida: muito desespero, mas também alguns momentos de beleza em que o tempo não é mais o mesmo. É como se as notas de música fizessem uma espécie de parênteses no tempo, uma suspensão, um alhures aqui mesmo, um sempre no nunca.
Sim, é isso. Um sempre no nunca".